As vasculites englobam um grande número de doenças que têm em comum a inflamação da parede do vaso sanguíneo. São doenças que se apresentam com amplo espectro de sintomas e podem envolver qualquer órgão. Os vasos mais envolvidos nas vasculites são as artérias (vasos que levam o sangue do coração para os órgãos). A parede da artéria inflamada leva a deformidades como estreitamentos, aneurismas, obstruções entre outras alterações estruturais no vaso, o que pode causar danos para órgãos e membros irrigados por essas artérias. É importante salientar que cada paciente é único e terá um padrão próprio de sintomas clínicos, os quais dependerão do tamanho e da localização do vaso afetado assim como do tipo da vasculite.
As principais manifestações que podem ocorrer nos pacientes com vasculite são: febre, perda de peso, fadiga, vermelhidão e feridas na pele, dor e inflamação nas articulações, dor nos membros, pressão alta, falta de ar, dor abdominal, sangue nas fezes, sangue na urina, dor de cabeça, embaçamento visual, acidente vascular cerebral, entre outros.
São várias as doenças que chamamos de vasculite, sendo algumas mais comuns na faixa etária pediátrica. A seguir descrevo algumas delas.
Vasculite por IgA – anteriormente chamada de Púrpura de Henoch- Schönlein, é a vasculite mais comum na infância. Afeta pequenas artérias e tem como principal característica as púrpuras (lesões vermelhas puntiformes na pele) com predomínio nos membros inferiores. A criança pode também apresentar dor e inchaço nas articulações e no dorso dos pés com dificuldade para caminhar, dor abdominal, vômitos, sangue nas fezes, urina espumosa, entre outros achados menos comuns. Geralmente os sintomas desaparecem após 1 mês sem deixar sequelas, porém algumas crianças podem ter recorrência do quadro e outras podem ter comprometimento crônico do rim. Assim uma avaliação criteriosas com acompanhamento regular incluindo exame físico com aferição da pressão arterial e coleta de exames (sangue e urina) são primordiais para detecção precoce de complicações. A maior preocupação no início do quadro é o envolvimento intestinal, que pode acarretar sangramento intestinal e até invaginação intestinal (quando uma alça intestinal entra na outra que está inflamada). O envolvimento renal é a grande preocupação ao longo do acompanhamento, podendo surgir após meses do início do quadro e nos casos mais graves pode levar à insuficiência renal. O diagnóstico é realizado através de quadro clínico compatível com a doença, ficando os exames laboratoriais com o papel de descartar outras doenças e detectar as complicações. O tratamento varia de acordo com as manifestações apresentadas pelos pacientes e consiste em antiinflamatórios, corticosteroides e drogas imunossupressoras nos casos de comprometimento mais grave do rim.
Doença de Kawasaki – segunda vasculite mais frequente na infância, que afeta artérias de médio calibre. É uma doença febril, que pode se resolver espontaneamente em torno de 10 dias, porém se não tratada em tempo adequado, pode levar a sequelas cardíacas. A doença de Kawasaki praticamente só ocorre em crianças e se apresenta com febre prolongada (mais de 5 dias) associada a lesões vermelhas na pele; vermelhidão na conjuntiva dos olhos; vermelhidão em lábios, língua e amígdalas; gânglios no pescoço; e vermelhidão e inchaço nas mãos e pés, que podem descamar posteriormente. Se tratada no início dos sintomas geralmente não traz prejuízo aos pacientes, porém se não diagnosticada precocemente pode evoluir com aneurisma de coronárias (artéria que irriga o coração), o que pode ocasionar trombose e infarto cardíaco. O diagnóstico é feito através do quadro clínico típico apresentado pelos pacientes, ficando os exames laboratoriais juntamente com o ecocardiograma o papel de auxiliar na definição diagnóstica e na gravidade do caso. O tratamento tem o objetivo de reduzir o processo inflamatório e prevenir a formação dos aneurismas de coronárias. A medicação de primeira escolha é a imunoglobulina endovenosa em altas doses, porém os corticosteroides têm sido cada vez mais utilizados nos casos mais graves.
Arterite de Takayasu – vasculite grave que pode levar a dano de órgãos e membros. Apesar de rara é a terceira vasculite mais frequente na faixa etária pediátrica, com vários casos descritos no nosso país. A arterite de Takayasu afeta artérias de grande calibre, que podem ter seu fluxo sanguíneo reduzido, com a consequente lesão de órgãos irrigados por essas artérias. As manifestações mais características apresentadas pelas crianças com arterite de Takayasu são hipertensão, redução de pulsos, dor abdominal e dor intensa nas pernas ao caminhar. Para a confirmação diagnóstica é necessário o exame de imagem da árvore arterial demonstrando alterações compatíveis em grandes artérias, juntamente com sintomas característicos da doença. O tratamento consiste no uso de medicações imunossupressoras, corticosteroides e medicações imunobiológicas nos casos mais graves e resistentes à terapia convencional.
Poliarterite nodosa (PAN) – vasculite rara na infância, porém grave e que afeta artérias de médio calibre. Algumas crianças desenvolvem a forma cutânea da doença, caracterizada pelo envolvimento da pele, geralmente com nódulos dolorosos e livedo reticular, associado a dor e inchaço articular e dor em membros. Outras crianças desenvolvem a forma sistêmica da doença onde órgãos como rins, cérebro e intestino podem estar afetados, ocasionando hipertensão, dor de cabeça e dor abdominal, juntamente com o quadro cutâneo. Outra forma de PAN é quando há mutação genética e o paciente normalmente se apresenta com acidente vascular cerebral, livedo, redução das células do sangue e imunodeficiência. Essa forma de PAN se chama DADA-2 (deficiência da adenosina deaminase tipo 2). O diagnóstico de PAN é realizado através do quadro clínico compatível com a doença, sendo geralmente necessária biópsia de pele ou de outros órgãos afetados e exames de imagem, como angiografia e o de DADA-2 através de exame genético ou exame funcional para detectar a redução da atividade da enzima adenosina deaminase -2. O tratamento da poliarterite nodosa consiste no uso de corticosteroides, outras medicações imunossupressoras e biológicos. O tratamento da DADA-2 é realizado com biológicos e com transplante de medula óssea em alguns casos.
Vasculites associadas ao ANCA – ANCA é o anticorpo anticitoplasma de neutrófilos. As vasculites associadas ao ANCA são muito raras na infância e tem em comum o aumento desses anticorpos circulantes no sangue, a inflamação de pequenas artérias e o comprometimento de órgãos como pulmão e rim. A mais comum das vasculites associadas ao ANCA, chamada de granulomatose com poliangeíte -GPA (anteriormente chamada de granulomatose de Wegener), causa também inflamação crônica nas vias aéreas superiores, como rinite e sinusite crônicas.
As outras vasculites associadas ao ANCA são a granulomatose eosinofílica com poliangeíte – GEPA (anteriormente chamada de síndrome de Churg-Strauss) e a poliangeíte microscópica – PAM. Para o esclarecimento diagnóstico das vasculites associadas ao ANCA é necessária um investigação minuciosa assim como pesquisa do ANCA no sangue e biópsia do órgão afetado.
O tratamento baseia-se no uso de corticosteroides, imunossupressores e imunobiológicos.
Doença de Behçet – vasculite na qual as crianças apresentam aftas dolorosas recorrentes na boca, podendo também apresentar feridas em região genital, lesões na pele e comprometimento da visão. Essa vasculite, diferentemente das outras, pode afetar qualquer tamanho de vaso e afetar tanto artérias como veias, ocasionando trombose nas mesmas. O diagnóstico é realizado através do quadro clínico típico de aftas orais recorrentes associadas a úlceras genitais ou outras manifestações típicas. O tratamento é feito com o uso de colchicina para os casos leves, sem comprometimento orgânico importante e imunossupressores e imunobiológicos para os casos mais graves.
É importante salientar que essas formas de vasculites, com exceção da púrpura de Henoch-Schönlein e da doença de Kawasaki, tem uma evolução lenta e os sintomas aparecem no decorrer do tempo, com a maioria das crianças iniciando o quadro clínico com sintomas inespecíficos como febre, perda de peso, fraqueza e dor em membros. Essa natureza inespecífica dos sintomas, semelhante a outras doenças, contribui para o atraso do diagnóstico e da terapia. Entretanto, essas doenças precisam ter o tratamento realizado precocemente, antes da instalação das sequelas, para que haja melhor controle da atividade da doença e os pacientes se desenvolvam com boa qualidade de vida.
Autora: Dra. Gleice Clemente Souza Russo, médica pediatra e reumatologista infantil
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